terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

QUANDO UM FILHO PARTE ANTES DE NÓS

Esta linda árvore ornamental, cultivada por sua beleza, é o popular Ficus que está sendo disseminado pela população em todo o Brasil a uma velocidade impressionante. Provavelmente, está presente em todos os município do Brasil. Sabe onde ela está? Bem ao lado do túmulo do meu filho Rafael. Suas raízes vigorosas podem destruir o que houver pela frente. Ela é bela como era o meu filho Rafael e suas raízes são fortes como eu tive que ser quando ele se foi. Quero muito que a Educação Ambiental se espalhe por todos os municípios brasileiros como o Ficus. As flores do Ficus são discretas e brancas, quase passam despercebidas, seus frutos pequenos e vermelhos são decorativos e atraem passarinhos. Muito branquinho de bochechas vermelhas era Rafael, no entanto, nos poucos dias que viveu, foi muito notado e o que ele atraiu foi uma multidão de pessoas maravilhosas que ao saber de sua situação congênita, compactuaram e se uniram na busca da melhor solução. QUANDO UM FILHO PARTE ANTES DE NÓS Em 03 de janeiro de 1983, quando levei meu filho, com quinze dias de nascido ao pediatra, pela primeira vez, percebi pelo olhar e o suspiro da médica a confirmação do que eu já suspeitava desde seu nascimento, ele não estava bem, algo estranho manifestava naquela criaturinha maravilhosa, tão desejada e amada, era meu segundo filho. O primeiro morrera antes de nascer A médica, uma senhora que já deveria ter seus oitenta anos, me deixou apavorada dizendo que algo estranho acontecia com o cérebro do Rafael. Mal sabia eu que aquele era um anjinho que Deus me enviara por um período de apenas 53 dias. Havia uma enorme pressão craniana, de dentro para fora, inclusive já permitindo ser notado uma leve deformação alongando sua testa. Além disso, ainda que sugasse bem, demonstrava que havia algo diferente com seus reflexos, como continuar dormindo acontecesse o que fosse, que provocasse grande barulho. Para mim meu filho Rafael ainda vive, embora sua existência pareça ter sido apenas um sonho lindo. Meu amor por ele, a lembrança de seus cabelos negros e lisos como os meus, que foram raspados para a cirurgia, seus olhos azuis, como os do meu pai e os do pai dele, que me fitaram na hora de sua morte, a me consolar a se despedir, jamais se apagará. Somos vencedores, sei que onde quer que esteja me vê assim me aguarda sei que antes de sua concepção, como contou-me o Gabriel, que veio quatro anos depois, ele também me escolheu para ser sua mãe, entre milhões de outras quando era, ainda, um ponto luminoso. Sai do consultório e fui direto para a seção em que trabalhava ali havia pessoas maravilhosas, minhas amigas e amigos com os quais podia contar e sabia que ouvindo meu desespero me ajudariam. Minha querida Suely decidiu que buscaríamos os melhores especialistas da Capital Federal. Começou então a nossa peregrinação (eu, Rafael e Suely) pelos consultórios dos chamados papas da pediatria em Brasília. Fomos em um, em outro, procuramos o pediatra que o atendeu no momento do nascimento (até fui indelicada com ele, dizendo que era um absurdo não ter notado o problema de meu filho no momento do primeiro exame). Resolvi que custasse o que custasse iria buscar o melhor tratamento para o Rafael. Levamos o Rafael a vários médicos os melhores. Não diziam coisa com coisa, sérios, preocupados: é um problema congênito. Que problema Doutor?! O que é? O que causa? Que culpa eu tenho? queria eu saber. Suely me acompanhava com ar preocupado e tensa. Fomos ao Dr. Lisboa, o mais experiente, o melhor. Necessitava mais exames: RX, tomografia computadorizada, para confirmar. Fizemos tudo e veio a confirmação com a terrível resposta. Era hidrocefalia, congênita, cérebro seriamente comprometido. Conseqüências? Prognósticos terríveis, Imprevisíveis: cegueira, surdez, deficiência mental. Providência tratamento? Implante de válvula (paleativo). Riscos da cirurgia? Infecção (hospitalar), rejeição, não funcionamento. Cura? Não existe. Previsão de vida? No máximo 15, 16 anos. Cirurgias semestrais para troca de válvula. Muito sofrimento. Como é a doença? No caso dele, acúmulo de líquido no interior do cérebro provocado pelo entupimento do Aqueduto de Sylvius (local onde o liquido deveria passar normalmente para a coluna vertebral). O líquido aumentando, causava pressão do cérebro de dentro para fora, contra a ainda cartilagem óssea, diminuindo-o e provocando o crescimento disforme da cabeça. A válvula colocada no local onde estivesse a maior quantidade de líquido, seria levada até o intestino (onde o líquido seria depositado, absorvido e eliminado) sob a pele, por um aparelhinho. A cirurgia constava apenas de um pequeno corte na cabeça e outro na barriga. Lágrimas me assaltavam dos olhos enquanto ouvia os relatos. E se eu sair do Brasil?! Seria a mesma cirurgia. Aliás, o médico especialista para o qual me encaminhou o Dr. Lisboa, Dr Márcio Horta, chegara recentemente do Japão onde participou de um curso. Trouxera algumas válvulas japonesas (especialistas em aprimoramento de inventos) e uma delas seria implantada no cérebro do Rafael. Quando começou a ouvir minhas dezenas de dúvidas, de perguntas, suspirou fundo e perguntou: - É o primeiro filho? - É o segundo, o primeiro voltou para Deus. O médico fez um “muxoxo” e me disse que Deus me daria forças Enquanto eu me debulhava em lágrimas aproximou-se uma mãe com um a linda criança, de dois anos e meio e me disse: “Nós fomos escolhidas por Deus, por isto Ele lhe dará forças como tem me dado, veja meu anjinho, tem dois anos e meio, não fala, não anda, não tem nenhuma autonomia, é cego, paralítico e surdo.” Olhei para ele, sentadinho, parado, lindos olhos azuis fitos como no além, sem olhar para lugar algum, maravilhoso, aparentemente ao olhar para ele, nada se podia perceber. Era uma linda criança. Chorei mais ainda meu coração estava em pedaços. meu Deus! pensei, meu filho nasceu para sofrer! Ainda bem que estarei com ele para o que der e vier deixarei tudo para estar com ele. O que será dele daqui a algum tempo? Até quando estará conosco? Por quantas cirurgias passará? Até quando lutará para sobreviver? Naquele momento pareceu que o teto do hospital desceu, o mcorredor se afunilou, as paredes se achegaram a mim e o chão subiu. Senti um aperto enorme no coração. Naquela noite adormeci chorando, sonhei com um cosido de cabeça de macacos acordando sobressaltada. Estas e centenas de outras noites seguintes, seriam longas, pesadas, compridas. Olhava o Rafael, aquele bebezão, gordo, forte. O que vai ser? Não parece gente que vai crescer com muitas dificuldades, que vai morrer antes da adolescência não pode ser possível que vá entregar os pontos. Olhava para ele e parecia ouvir:” - Mamãe, eu tenho a força! Comigo vai ser diferente.” Mãe nenhuma quer, aceita ou concebe, que seu filho vai morrer. Rafael parecia um anjo irradiando candura, era esplêndido, lindo, era a personificação do amor grande, forte, com 3.850g e 54cm ao nascer por isso escolhi o nome. Talvez por isso tenha voltado para o lugar dos anjos. Tinha apetite normal, sono e desenvolvimento mais que normal peso além da média, coradinho, não demonstrava sentir dores mas era diferente nascera diferente. O médico que o examinou ao nascer não percebeu, mas eu percebi e fui até mesmo avisada em sonho. Ao chegar em casa, após a cesariana, recostei na cama e adormeci. Tive um pesadelo terrível que acordei gritando: - Onde está o bebê (não havia ainda decidido pelo nome), gritava, eu bati com a cabeça dele no portal e cortou ao lado de sua cabeça onde ele está? O pai todo coruja, estava com ele nos braços e me acalmou: - Foi um sonho, está tudo bem. Foi um sonho impressionante e inesquecível, um aviso pude saber alguns dias depois. Não era o único, com a doença, às quartas-feiras, o Dr. Márcio Horta passava o dia todo no Centro Cirúrgico operando crianças com Hidrocefalia, vindas de todo o Brasil. Nunca pensei que eram tantas. Pelo Rafael, andei, pesquisei, sofri, chorei, acreditei, desacreditei, rezei, amei, andei feito uma louca em busca de informações e de alternativas, lutei com toda minha garra pelo meu rebento em perigo, tive medo, muito medo. Todos me diziam que a única alternativa era a implantação da válvula. Decidimos pela cirurgia que fora imediatamente marcada. Meu pensamento se fixava para o dia da cirurgia. Toda noite orava com fervor pedindo a Deus forças e que acontecesse o que fosse melhor, meu filho seria diferente superaria tudo tudo é questão de fé e tempo. Ao acariciá-lo, sentir seu coraçãozinho pulsar normalmente, tinha muita esperança. Dois dias antes da cirurgia, uma Segunda feira ele foi internado para os últimos exames, a observação direta e o terrível jejum de 12 horas. Meus seios que produziam leite em abundância, doíam de cheios e ele chorava de fome. Foram horas muito difíceis tive que comparecer ao Banco de Leite para doação pois não me agüentava de tanto leite. Ao chegar ao berçário, vi tantos bebezinhos, tão pequeninos nas incubadoras que o Rafael parecia um gigante perto deles. Tive plena certeza que estava a praticar uma boa ação. As enfermeiras ficaram muito felizes e admiradas dizendo nunca terem tirado tanto leite de uma só vez, de uma única mãe. No dia seguinte, ao entregar meu filho, gordo, corado, cabecinha raspada, já sedado, na entrada do centro cirúrgico parecia entregar um pedaço de mim. As horas de espera pareceram uma eternidade. Foram as horas de maior angústia que já vivi. Finalmente, me entregaram o Rafael ainda meio sonolento, com dois pequenos curativos: um na barriga e outro do lado da cabeça. Por sob a pele podia-se notar a válvula, uma fina mangueirinha, a descer pelo pescoço, passar pelo peitinho indo até a barriga. O médico olhou-me sorridente e disse: - Tudo bem mãezinha. Eu o recebi com carinho e pude sorrir. Continuamos no hospital por mais oito dias, fora os casos terríveis que presenciei entre os quais um bebê de quatro meses que fora espancado pelo próprio pai e teve que se submeter a uma cirurgia craniana e uma menininha, vinda do interior de Mato Grosso, que caíra de uma mesa e também se submetera a cirurgia craniana ficando cega. Tudo corria bem, a recuperação foi excelente, acho que o soro que ele tomou fez com que ficasse ainda mais robusto e com excelente aparência. Recebeu alta e voltamos para casa de manhã. Naquele mesmo dia à tarde ele começou a piorar. Era a véspera de sua partida, pressenti isto. Começou a vomitar e voltamos às pressas para o hospital. Ele piorava minuto a minuto. Após o exame de sangue o terrível diagnóstico; ele havia contraído infecção (hospitalar), que passou a septicemia e não havia mais esperança. Fiquei ao lado dele até o momento em que tentaram ressuscitá-lo com massagens cardíacas e enfiaram tubos em sua boca e nariz. Não suportei mais e me encolhi em um canto do Pronto Socorro me debulhando em lágrimas. Rafael morreu trevas escuras condensavam dentro de mim queria gritar e não conseguia queria morrer com ele. Meu coração chorava lágrimas de sangue Foi o enterro mais concorrido e lindo (se é que existe enterro lindo) mas a solidariedade de meus colegas de trabalho, de minha família, de meus parentes e amigos foi enorme. Um caixãozinho branquinho, ele todo coberto de flores brancas, parecia sorrir para todos. Todos estavam comovidos. Meu anjo voltou para Deus aos 53 dias de vida. Este foi o acontecimento mais difícil de suportar. Sempre tive necessidade de escrever isto. Já se passaram tantos anos. Tudo está ainda claro em minha mente e em meu coração. Se fosse escrever tudo daria um livro. Escrevo também para passar minha experiência a outras mães sofredoras e a outras exageradas superprotetoras. Meu filho era parte de mim, uma parte minha se foi falta um pedaço. Todo bebê branquinho, toda cabecinha negra, todo rechonchudinho, todos olhos azuis que vejo, vejo o meu anjo. Ele deixou uma lacuna, um vazio, um lugar que nada nem ninguém pode preencher. Por outro lado é uma experiência que me ajuda a suportar qualquer dificuldade, qualquer problema, nenhuma dor será maior, qualquer sofrimento será insignificante diante e em relação ao teste em que Deus com certeza aprovou-me. A dor foi também física, o coração doía mesmo, faltava o ar para respirar, uma dor partia do peito até a ponta dos dedos e ainda dói. Hoje sou outra, hoje posso distribuir meu amor de mãe a todas as crianças, pois o sofrimento o centuplicou. Amo desesperadamente o maravilhoso casal de filhos que Deus envio-me depois, são as minhas maiores riquezas, minhas jóias preciosas, me orgulho deles, posso amá-los, acariciá-los, a eles que estão comigo e que compartilhei sendo o veículo de Deus para dar-lhes a vida e continuo a dar-lhes amor e que achar que é o melhor. Ao Rafael eu não posso mais mas posso dizer: Rafael foi bom ter tido você, conhecido você, aprendido muito com sua presença. Talvez seja você o responsável por hoje poder multiplicar o amor de mãe com todos os pequenos do meu caminho. Rafael todo o meu amor, Mamãe.

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