sábado, 6 de junho de 2020

UM MENINO E TANTO

Depois que meus dois primeiros filhos, falecerem por terem sido gerados com má formação genética, por mais que desejasse gerar um ser para amar mais do que a mim mesma sabendo ser a experiência mais extraordinária da vida, o receio era imenso. Já quase no limite ideal para ser mãe quando percebi que estava grávida a alegria foi imensa. Procurei me cercar de cuidados. Por se tratar de gravidez de alto risco as consultas do Pré Natal eram semanais. Acometida com anemia embora seguindo as orientações alimentares aumentando a ingestão de couve, espinafre, beterraba, fígado e outros como o açaí que meus colegas do norte do Brasil me traziam tanto os frutos como folhas para fazer chá, e dos medicamentos orais, como era necessário, tive que enfrentar o medo e tomar medicação injetável. Tomei quarenta injeções de Fol Sangue. Tudo valeu a pena quando vi aquele rechonchudo que acabara de nascer. Naquele momento eu renasci, era como ter o mundo nas mãos, sentia que veio para melhorar o mundo. Ele me deu a luz. Foi um inexplicável misto de boas sensações esperançosas. Não tardou e aquele serzinho começou a mostrar a que veio: tinha apenas três anos de idade. Como sua irmã tinha apenas dois anos a prioridade era para ela. De manhã ele era compelido a tomar banho, se vestir e calçar sozinho, enquanto tentava dar o máximo de si, eu o apressava: - Rápido, estamos atrasados, sai do banho, vista logo, calce as meias e o tênis, depressa Tire a camisa e vista de novo, está do avesso a frente está para trás. Nunca me dei conta de que tais atividades eram ainda muito difíceis para sua idade e seu nível de desenvolvimento. Ele por sua vez repetia que era grande e tentava me atender. Com um ano e seis meses deixou fraldas, chupeta e mamadeira levantava-se sozinho para ir ao banheiro durante a noite e não conseguia voltar para a cama, deitava-se no primeiro local macio que encontrava pelo apatamento: no sofá, nas almofadas, nos tapetes. Certo dia, na semana que antecedia o dia das mães, fui buscá-lo na creche. Ao me ver tomou-me pela mão e disse: - Vem cá mamãe e levou-me até sua sala onde estavam expostos desenhos que a turma fizera retratando cada um sua mãe. Levei um enorme susto quando apontou por um desenho que se destacava dos demais, todo com pincel atômico preto uma figura humana com as mãos para cima, grandes olhos, cabelo despenteado e me disse com a voz de quem nem sabia falar direito: Essa é você, você tá bava, amanhã eu desenho uma mamãe boazinha tá bom!? Falou confirmando sacudindo a cabecinha. Naquele instante me dei conta de que estava exigindo dele atividades e tarefas além de sua maturidade e nível de desenvolvimento, agindo como se ele já fosse capaz de se virar sozinho fiquei envergonhada e a primeira coisa que fiz foi olhar para todos os lados para ver se alguém da escola havia presenciado a cena. Sai dali o mais depressa que pude e, é claro que depois procurei a professora para conversarmos e passei a dar a ele maior ajuda para se arrumar todas as manhãs. Hoje sei que ele tem muito jeito e gosta de desenhar, mas, naquela época nem percebi que seu desenho, aos três anos, já mostrava uma figura humana completa. Felizmente, mesmo que tenha demorado dez anos, ele finalmente, desenhou a mamãe boazinha. Ele tinha quatro anos quando inesperadamente e com segurança me diz: Mamãe eu escolhi você pra ser a minha mãe! - Escolheu?! Perguntei - Sim mamãe, eu sonhei que eu era apenas um ponto de luz e via um montão de mulheres. Eu estava lá para escolher uma para ser minha mãe. E ai eu escolhi você! Há pessoas que já nascem decididas enfrentam perguntam, pedem e querem aprender Assim é meu filho Gabriel Com seis anos de idade foi com o pai e o irmão com problemas mentais até o aeroporto nos deixar eu e minha filha Natalia para viajarmos até João Pessoa no Estado da Paraíba Algumas conexões escalas e horas depois chegamos Imediatamente telefonei para avisar que chegara e tudo estava bem O telefone de minha casa tocava até cair a ligação sem ninguém atender Depois de algumas tentativas resolvi ligar para minha irmã e ouvi uma frase horrível: – Francisco, o pai distrído, esteve aqui chorando disse que perdeu os meninos e você vai matá-lo! – Vou mesmo! Respondi Passei algumas horas preocupada ligando a todo instante e preparando o retorno Já no final da tarde Gabriel atende ao telefone e explica:  Mamãe meu pai deixou a gente no Parque da Cidade e eu vim embora com o meu irmão Como foi isto? Perguntei (afinal ele tinha apenas seis anos) Ele então esclarece:  Avistei a Torre de TV, fui até lá com meu irmão. Quando parou um ônibus, perguntei se ia para a Rodoviária expliquei que meu irmão era deficiente, pedi carona. Lá procurei um guarda para saber qual era o ônibus para Taguatinga Sul pedi carona de novo, expliquei para o motorista que meu irmão tem problema e viemos embora Ufa! Que alívio e que orgulho por ter um filho corajoso e capaz de tomar iniciativas assim Sempre desejei que meus filhos tivessem capacidade de resolução e nunca esquecerei quando Gabriel, adolescente, foi entregar o Calendário Escolar de nossa escola na Secretaria de Educação do DF para aprovação. Ao se identificar na Portaria do Palácio do Buriti, foi informado de que estava impedido de entrar por estar usando uma camiseta sem mangas. Imagine um dia de verão, muito calor, depois de viajar uma hora e meia num ônibus lotado e nada resolver por falta de uma manga de camiseta. Foi ai que usando de criatividade, tomou uma decisão bem inusitada e inteligente, dirigiu-se a uma banca de jornal ali próximo solicitou um jornal velho e improvisou as mangas. Ao retornar a recepção perguntou: - Agora posso entrar? As pessoas presentes, pegas de surpresa, começaram a rir e a atendente só poderia permitir a entrada. Acredito que foi a decisão mais inesperada, imprevisível e surpreendente que alguém poderia imaginar. É demais esta criatura que veio para ser única e insubstituível. Existe para fazer diferença no mundo. Hoje passa dos trinta e continua generoso, criativo, estudioso, honesto, altruísta, autêntico, competente e convicto.

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