domingo, 26 de julho de 2020

BRANQUINHO

Com muito sacrifício, Seu Geraldo conseguiu comprar a tão sonhada chácara. Agora, Branquinho teria seu próprio lar, um pasto só seu. Para Branquinho, não era mais necessário viver em pastos alugados, aqui e ali. Na chácara o espaço a ele destinado era pequeno, mas o capinzal era bem formado e a água direto da nascente o atravessava em toda a extensão. Sabem quem era Branquinho? Era um lindo e forte cavalo branco, com a crina loura, imensa, a enfeitar seu lindo pescoço. Era o cavalo mais dócil que existia naquela Vila. Os seis filhos do Sr. Geraldo e Sra. Maria faziam dele “gato e sapato”. Dava-lhe banho, o penteava todo, abraçavam-lhe, trançavam-lhe o rabo e a crina, podiam até passar embaixo dele. Montavam até cinco crianças ao mesmo tempo, naquele lombo gordo e macio, até mesmo em “pêlo”, às vezes só com cabresto sem o “freio” que consideravam “terríveis” para o cavalo e não gostavam de usar. Ficar com aquele ferro grosso, em forma de gota, enfiado na boca! A compra de Branquinho foi uma troca por um rádio velho. Quando ele chegou, todo garboso, ficou meio desconfiado. Veio de uma fazenda e, as crianças de lá o tratavam tão bem que ele resolveu ser o cavalo mais manso que já existiu na ”face da terra”. As crianças que agora eram seus donos, logos ganharam sua confiança. Conversavam com ele, cuidavam e o alimentavam com todo carinho. Ele fazia questão de retribuir. Levava-os para as fazendas do Tio Baltazar e do vovô José, para o moinho levar o milho e trazer o fubá, para o campo colher frutos silvestres que naquela região eram abundantes: pequi, baco-pari, caju, murici, goiabinha do campo, mangaba, jurubebinha, mama-cadela, marmelada do campo; levava o almoço para os “peões” que trabalhavam na roça e, a maior das aventuras: adentrar numa matinha densa onde havia a nascente que atravessava o pasto. Ali havia periquitos, miquinhos, uma enorme variedade de plantas e de flores. Ah! As flores, as mais lindas eram as orquídeas silvestres, eram tantas e de tantos tamanhos e cores que deixavam as crianças extasiadas. E as borboletas? uma infinidade de lindíssimas borboletas multicores, de várias formas e tamanhos. Pareciam florea voando.
Entre o pasto e a matinha, havia o “brejo” ali, as canas-de-macaco com suas lindas flores, parecendo um pequeno cacho de “bananas rochas”, misturadas às flores brancas de “São José” com seu perfume que era sentido ao longe e as frutas: os abacaxis do mato, as lindas e vermelhas frutas de “São Caetano”, deliciosas e os juás comestíveis. Ao saírem a mãe recomendava: Não comam frutas amargas, azedas ou picantes, podem ser venenosas. Para atravessar o “brejo” e chegar até a mata, até o “Japi” o lindo cachorro policial do único “irmão homem” da família, tinha que subir no lombo de Branquinho para atravessar o pântano que era um “atoleiro”. Branquinho, além de sempre estar mais gordo que qualquer outro cavalo das redondezas, tinha que atravessar aquele terreno úmido e escorregadio até com cinco crianças e um cachorro “no lombo”. Atolava até quase metade das patas, mas era forte e conseguia avançar. Ficava até engraçado, todo sujo de lama preta. A caçula, desde os primeiros meses já era acostumada a andar no Branquinho. Claro que era levada dentro de pequeno lençol ou uma toalha amarrado ao pescoço de sua irmã mais velha ou de sua mãe, formando uma redinha. Branquinho era muito inteligente, bastava ser guiado, uma única vez, por qualquer estrada que aprendia o caminho e das vezes seguintes, seguia sozinho. Quando estava a pastar saboreando seus manjares de capim e avistava uma das crianças, relinchava de alegria e ia encontrar com seu pequeno dono, parecia saber que algo de bom lhe esperava. Era um delicioso milho, eram passeios inesquecíveis por lugares novos e lindos. Outros cavalos corriam, se escondiam, mas Branquinho que adorava seus donos, até mesmo na fazenda do vovô José, que os outros iam explorar lugares novos, Branquinho permanecia por perto, até porque, ouvia muitas histórias de que “por aquelas bandas” haviam onças pintadas, perigosas, comedoras de animais e loucas por carne de cavalos. Todos diziam que: quando uma onça avistava um cavalo ele estava perdido, ela pulava em seu pescoço e cravava seus grandes dentes em local de grandes veias matando-o por hemorragia. Comia até fartar e escondia o restante para comer nos dias seguintes. Os outros cavalos e suas famílias adoravam se esconderem, correr para longe dos donos, para se livrarem do trabalho pesado. Branquinho sabia que era um animal de carga, só corria para exercitar seus músculos, aguentar cada vez mais peso e agradar seus pequenos donos. Dizem que os cavalos mansos são troteiros, quer dizer, não são bons de marcha. Branquinho confirmava esta versão. Por isso as crianças gostavam de galopar, pareciam que iam levantar voo e não sentiam tanto os arrancos que provocavam o trote. Infelizmente, logo aquela maravilhosa matinha seria destruída, derrubada e queimada, transformaria em “roça” de arroz, milho e feijão, um pequeno canavial e um pomar com: abacaxis, mangueiras, jabuticabeiras, goiabeiras, limeiras, laranjeiras, limoeiros, amoreiras e bananeiras. O que o Sr. Geraldo fez, foi o que achava certo, precisava plantar para sustentar a família. Não tinha a menor ideia do mal que estava causando a natureza destruindo uma das últimas matas daquelas redondezas. No primeiro ano a produção foi enorme, o arrozal cresceu tanto que cobria qualquer adulto. No entanto, o terreno, sem as condições naturais, deixou de produzir, pois foi perdendo os nutrientes em poucos anos, só serviria para o capim. Onde havia culturas perenes ou passageiras, só restou pastagem. Branquinho era tão afeiçoado aos seus donos e tão inteligente que um dia, antes da compra da chácara, quando estava em um pasto alugado, teve um convite dos outros equinos para fugirem pois um senhor, bêbado havia cortado a cerca de arame. Ele aceitou o convite, mas o que os outros não sabiam era que ele pretendia ir até a Vila, para a casa de seus donos, pois estava com saudades. A alegria foi imensa quando os irmãos viram Branquinho chegar. Branquinho fazia inveja a todos os outros animais domésticos da região, era o mais querido, o mais bem cuidado e o mais amado de todos eles. Por isso não se importava de trabalhar e cumpria suas obrigações com a maior boa vontade e rapidez possível. Ainda bem, pensava ele, que os animais domésticos não estavam em extinção como aqueles macaquinhos e muitas daquelas plantas destruídas quando a mata foi derrubada, roçada e o pior de tudo queimada. Branquinho gostava de observar seus pequenos donos, sempre ficava na beira da cerca para vê-los brincar de Esconde-esconde, Queimada, Rola-colchão, Ricos e Pobres, Ciranda Cirandinha, Fui no Tororó, Seu Virão, Margarida no Castelo, Pula-corda e muitas outras brincadeiras interessantes e divertidas. À noite, brincavam à luz da lua, não havia energia elétrica naquela Vila. No entanto havia uma pequena casinha, ou melhor, um rancho de capim, que deixava Branquinho curioso. Do pasto ele a avistava. Ali as pessoas entravam e saíam, levavam e traziam sacos com algo que ele gostaria muito de saber o que era. A casinha estava estrategicamente colocada onde havia uma depressão e a passagem de água que vinha da nascente provocava uma pequena cachoeira. O tempo todo se ouvia um barulho de água derramando, despejada de um local alto, e a seguir um baque surdo se seguia. Uma parte, parecida com uma “gamela” podia ser vista passando para fora da casinha. Era ela que se enchia de água e derramava fazendo subir outra parte comprida, dentro da casinha, em cuja ponta havia uma “mão de pilão” que batia “socava”, os alimentos como arroz, café, milho para tirar a casca e, até mesmo carne seca para preparar “paçoca”. Era o “monjolo” um engenho de grande utilidade para aquela família. Era uma forma rudimentar de aproveitar a força da água. A “casinha do monjolo” era coberta e fechada para proteger os alimentos da chuva e dos animais. Branquinho também invejava o boi que movia o pequeno engenho de moer a cana-de-açúcar para fazer a “garapa” o melado de cana, a rapadura e o açúcar de engenho. Bem sabia ele que também era capaz de movê-lo, tinha força e capacidade, mas nunca lhe atribuíram aquele serviço.
A vida daquela família, na zona rural, era bem diferente da vida das pessoas na zona urbana, na cidade. Ali havia sossego e paz, toda a alimentação era natural, produzida ali mesmo, sem hormônios, sem agrotóxicos, comia-se: “umbigo” de bananeira, folhas de batata e flor de abóbora. Colhia-se “Maria Nica” uma planta encontrada na beira dos rios, nos “brejos” que era comida crua. No meio do arrozal colhia-se serralha, usava-se Erva Santa Maria, também conhecida como Mastruz como vermífugo, e para má digestão Mentrasto e Losna, para o coração, Alecrim, para gripe chá de casca de laranja ou limão com mel silvestre. Há até uma história inacreditável sem explicação, quando a mãe das crianças curou um “mal-de-sete-dias”. https://rosacriarecriar.blogspot.com/search?q=m%C3%A3e A tranquilidade era tanta que ninguém se preocupava com a segurança. Um dia esqueceram a porta da casa aberta e todos acordaram com o barulho das ferraduras de branquinho no cimento da sala. Para aquelas crianças, o parque era a floresta, as árvores eram sobes-sobe, os balanços eram os cipós, os troncos eram os escorregadores e os rios e lagoas eram as piscinas naturais. Quantas vezes, Branquinho ia com seus pequenos donos, até a gruta da “pedrona” que deve ter uns 30 metros de altura com uma “pingueira” que vem do topo e uma gruta escura cheia de insetos e quem sabe animais perigosos, peçonhentos. As crianças não se atreviam a entrar na gruta senão Branquinho entraria também e enfrentaria qualquer perigo para explorá-la. As crianças cresceram e se mudaram para a Capital da República. Branquinho morreu velho e saudoso, mas com maravilhosas recordações do tempo em que era o mais garboso e querido cavalo do mundo.

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