domingo, 3 de novembro de 2019

DRIBLANDO A MORTE

Nem sempre a Dona Morte leva quem vem buscar. Parece que há pessoas capazes de comoverem a Dona Morte que deixa sua missão para mais tarde. Na barranca do Rio das Almas nasceu Maria a primeira filha de Maria, simples, pobre, analfabeta, mas um ser possuidor de poderes mágicos e extraordinários como o de viajar para o futuro e prever acontecimentos. Quando nasceu sua primeira filha estava tão cansada com o esforço para parir que olhou para a menina acariciou-a, amamentou e dormiu. Sonhou com um anjo que lhe aparecia rapidamente e dizia: ”- Só vim lhe ver, já estou desaparecendo, gostei muito de estar com você. Seja forte, estarei de forma invisível sempre ao teu lado cuidando de você, torcendo por você.” Acordou assustada, tinha certeza de que aquele anjo era a filha que nascera ao cair da noite anterior. Olhou para a menininha, parecia dormir, mas quando a tocou estava gelada. A vida, como a conhecemos, já havia deixado aquele corpinho. Chamou seu marido, contou com tranquilidade o que acontecera e ele, mesmo muito triste, procurou consolá-la. Dois anos depois nasce a segunda Maria. Tudo corria bem até que um dia ao chegar do trabalho encontra a filha com o pescoço todo amarelo de açafrão enrolado com uma fralda, tossindo muito e emitindo um estranho ronco ao tossir, já demonstrando certa dispnéia. Maria, a mãe disse que começara há poucas horas e que piorava rapidamente. Ele foi imediatamente até a farmácia. O hospital mais próximo ficava a 46 quilômetros de distancia com acesso por estrada de terra. O farmacêutico demonstrou uma enorme preocupação dizendo que parecia ser “crupe” denominação da difteria que ataca a laringe, obstrui a glote, podendo causar asfixia e morte em menos de vinte e quatro horas. O desespero tomou conta do casal que via a filha piorar a cada minuto. O que fazer? Quem poderia levá-la ao médico? Noite adentro a dificuldade de Maria respirar aumentava e a angustia também. Como uma luz, lembraram-se do Padre, o Frei Cristóvão que possuía um velho jipe. Ele com certeza os ajudaria. Correram até a Igreja, acordaram o Frei e pediram ajuda contando-lhe que possivelmente era Crupe. Às cinco e meia da manhã estavam na estrada. Cada respiração era um sacrifício e grande angustia para Maria. Chegava a ficar arroxeada. Parecia que para inspirar e expirar o ar uma única vez levava minutos. Por mais que tentasse acelerar a estrada esburacada e empoeirada impedia de correr mais que cinqüenta quilômetros por hora. Quando chegaram ao hospital o diagnóstico confirmou difteria. O médico alertou os pais: estejam preparados esta doença é muito séria. O médico tentava desobstruir a glote para a passagem do ar. Algo como uma “gosma” grossa era retirado e Maria que parecia estar morrendo conseguia, mesmo com dificuldade, respirar mais uma vez. O casal em momento algum perdeu a esperança. Três dias depois estava de alta e sem nenhuma seqüela. Maria, a filha aos quinze anos, quando sua mãe já havia partido para a eternidade e ela já era professora, novamente Dona Morte vem rondá-la para cumprir o que havia adiado. Maria amanheceu com tanta dor que mal conseguia respirar. Analgésico, bolsa de água quente e a dor só piorava. Desta vez o hospital era ainda mais longe, 128 quilômetros, estradas esburaca, 20 km por hora. Outro padre, coincidentemente outro Cristóvão também a levaria em um jipe, 5 horas de viagem. Quinze anos, muitos sonhos, muito cedo. Chegando ao hospital foi operada de emergência e dispensou a Dona Morte mais uma vez. Maria sou eu, atualmente, nove fraturas (seis na coluna vertebral), quatorze cirurgias, uma meia dúzia de curas enigmáticas, pretendo continuar driblando a Dona Morte por mais algumas dezenas de anos.

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