sábado, 2 de novembro de 2019
OUSADIA
Aos 16 anos eu atendia por semana, aproximadamente, 40 doentes da cidade onde eu morava e que vinham da zona rural. Medicamentos doados eram distribuídos. Um certo dia, tive que tomar uma decisão de “Vida ou morte!” Por aquelas bandas, resquícios do tempo em que havia posseiros brigando por terras, ocorriam muitas brigas entre as famílias. Era questão de honra a vingança. Dominava a lei do “dente-por-dente”, “olho-por-olho”. Quantas vezes a turma do Grêmio Estudantil do qual eu era Diretora Social, tentava intervir para impedir brigas ou socorrer pessoas feridas. Um dia, pediram socorro para um senhor que fora esfaqueado. A peixeira penetrou-lhe a coxa até o osso e o sangramento era intenso. Eu e Abigail tentávamos estancar o sangue sem sucesso. Enrolávamos bem forte um tecido e rapidamente estava ensopado de sangue. Parecia que nenhum grande vaso sanguíneo tivesse sido atingido, mas a ferida era grande e profunda. O que fazer, como primeiros socorros para encaminhar o ferido ao médico? Quase em desespero lembrei-me que você estancava sangue de pequenas feridas com algodão queimado. Qual nada, a cinza do algodão escorria com o sangue. Decidi que era necessário costurar o ferimento. Sem anestesia resolvemos embebedar o sujeito e o fizemos engolir um litro de cachaça até que esmorecesse embriagado. Algumas pessoas o seguraram com firmeza enquanto o ferimento era costurado com uma agulha desinfetada no fogo e linha comum. Após os pontos, aí sim o algodão queimado cessou a hemorragia. Aquele senhor estava pronto para viajar horas até o hospital mais próximo. A iniciativa, a coragem, a perícia, a criatividade e acima de tudo a fé salvou aquele homem. Acho que 50 anos depois eu não vou responder por exercício ilegal da medicina. Certa madrugada acordei com uma voz angustiada me chamando e pedindo ajuda. Um senhor me explicava: “Minha patroa está com dificuldade pra descansar, está muito agoniada e agitada, a parteira está desistindo!” levantei-me sonolenta, fui até a farmacinha e comecei a ler as bulas. Em um caixa com uma ampola estava escrito: “indicado para alívio sintomático da ansiedade, tensão e outras queixas somáticas... Pode ser útil no tratamento da ansiedade ou agitação”. Nem tenho coragem de revelar o nome do remédio. Perguntei se tinha alguém que aplicasse, ele respondeu que sim, pegou a caixinha e saiu rapidamente. Dê notícias, pedi. Amanhecia o dia quando apareceu novamente o senhor com um largo sorriso agradecendo e pedindo que as bênçãos de Deus caíssem sobre mim. O mais incrível foi a informação de que haviam nascido dois meninos e tanto a mãe como os gêmeos estavam bem.
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